MOVIMENTO NEGRO E EDUCAÇÃO
Por Lavini Castro*
Numa sociedade como a nossa que se constituiu pela pluralidade, urge que se corrijam diferenças históricas e tratamentos discriminatórios tradicionais decorrentes do desconhecimento ou do não reconhecimento multicultural existente no Brasil. Tais reivindicações educacionais foram propostas do Movimento Negro ao longo do século XX, interessado em eliminar discriminações, corrigir injustiças e promover a visibilidade dos elementos étnicos no sistema educacional de nosso país, objetivando combater o racismo existente na sociedade brasileira. Historicamente, o Brasil, apesar de se dizer miscigenado e composto em sua base por três etnias, acabou valorizando aspectos culturais de apenas um grupo étnico. Tal fato permite a exclusão sociocultural de determinados grupos, aqui se considera o caso específico da população negra.
O objetivo desse afrodiálogo é, com aquele sentido, trabalhar a historicização da luta do movimento negro pela implantação de uma educação antirracista, entretanto há necessidade de contextualizar a luta do movimento negro. A luz de apontamentos Petrônio Domingues, movimento negro deve ser entendido como a luta dos negros e negras do Brasil contra a discriminação racial. Luta esta que historicamente pode ser recuperada coletiva e institucionalizada, principalmente no que diz respeito a etapa dos anos 70 e 80, mas que recentemente tem se feito de forma mais democratizada sem tanto vinculo institucional.
Numa avaliação sensível, o profissional da educação que promova a aplicação da Lei 10.639/2003 ao ministrar suas aulas pode ser reconhecido como um militante da causa/luta antirracista, necessariamente sem ter passado por qualquer tipo de filiação ao Movimento Negro. Numa escuta atenta de uma entrevista de Petrônio Domingues concedida à Afrodiálogos, com mediação de Lucimar Felisberto dos Santos, na nossa Masterclass de 24 de julho de 2020, pudemos entender que podemos consider militante aquele que defende uma causa estando ou não vinculado a uma instituição, porque hoje a luta antirracista se apresenta de forma mais pulverizada.
Sendo assim podemos perceber a possibilidade do profissional da educação atuar militantemente em sua sala de aula, ao por em prática os conteúdos trazidos pela Lei 10639/2003.
Entendemos a luta do movimento negro como um processo educacional, pois a luta desse coletivo não só pôs em xeque as distorções da ideologia da democracia racial, como indagou a própria história brasileira quanto as ações do Estado no combate as desigualdades raciais enquanto politizava a ideia de raça como potência não só como uma categoria de hierarquia.
O movimento negro destacou as singularidades da raça negra, projetou a nossa identidade enquanto um atributo positivo desmistificando a ideia de inferioridade historicamente construída.
Gomes (2017) nos traz uma boa definição do Movimento negro enquanto movimento social dos grupos afro-brasileiros no combate ao racismo e toda discriminação sofrida por esse grupo. Para autora:
Entende-se como Movimento Negro as diversas formas de organização e articulação das negras e dos negros politicamente posicionados na luta contra o racismo e que visam à superação desse perverso fenômeno na sociedade. (...). Trata-se de um movimento que não se reporta de forma romântica à relação entre negros brasileiros, à ancestralidade africana e ao continente africano da atualidade, mas reconhece os vínculos históricos, políticos e culturais dessa relação, compreendendo-a como integrante da complexa diáspora africana. Portanto, não basta apenas valorizar a presença e a participação dos negros na história, na cultura e louvar a ancestralidade negra e africana para que um coletivo seja considerado como Movimento Negro. É preciso que nas ações desse coletivo se faça presente e de forma explícita uma postura política de combate ao racismo. Postura essa que não nega os possíveis enfrentamentos no contexto de uma sociedade hierarquizada, patriarcal, capitalista, LGBTfóbica e racista. (GOMES, 2017, pág.24).
Dentro das estratégias de atuação a essência que podemos observar neste movimento sempre foi a busca pela emancipação do negro na sociedade brasileira, seja por melhores condições de vida, trabalho ou educação. A luta do Movimento Negro ao denunciar atitudes discriminatórias e desiguais em que o negro é colocado em sociedade rompia e denunciava a ideologia da democracia racial além de e apresentar um amadurecimento das lutas antirracistas no Brasil, conforme nos relatou Silva (2015, p.13).
Para Muller e Coelho (2013), em seu artigo A Lei 10.639/03 e a formação de professores: trajetória e perspectivas, apresentado pela revisa da ABPN, em 2013, o Movimento negro, desde cedo percebeu que a questão educacional era essencial para mudanças de paradigmas sociais para a população negra. Para as autoras:
Dentre todas as violências às quais a população negra tem sido submetida, a exclusão do sistema educacional é, certamente, uma das mais perniciosas formas de ferocidade. Podemos destacar dois fatores que corroboram essa afirmativa. Em primeiro lugar, o mais obvio: com menos anos de estudo, com aproveitamento insuficiente dos poucos anos passados nas escolas, a população negra tem enorme dificuldade em reverter a sua condição socioeconômica. E o segundo, consequência do primeiro, a desigualdade no sistema educacional perpetua a condição desfavorável que os negros econcontram no mercado de trabalho. Assim, as épocas se sucedem sem que o circulo vicioso possa ser rompido e uma geração possa viabilizar condições melhores para as gerações futuras gerações. (MULLER & COELHO, 2013, p.32).
Olhando por este prisma, o Movimento Negro nos trouxe a possibilidade de discutir o racismo presente na sociedade brasileira, por atuar denunciando os preconceitos sofridos pela população negra.
Ao mencionar o movimento negro enquanto ator político, Gomes (2017) enaltece a luta deste movimento em prol da superação do racismo questionando o Estado e a sociedade no seu compromisso com a problemática racial, além de auxiliar a ressignificação da categoria raça tirando dela sua interpretação universal. Paralelamente observamos a evidência da raça negra enquanto protagonista de sua histórica luta, é é dado nova visibilidade ao componente étnico-racial afro-brasileiro, pois rompe com visões negativas e naturalizadas sobre os sujeitos negros ademais passa a enxergar potência política nas relações de poder desses atores sociais em sociedade.
Nesse sentido, o movimento negro deve ser entendido como a luta dos negros e negras do Brasil contra a discriminação racial, sendo uma luta coletiva e organizada. Tal entendimento sobre o movimento negro deve ser contextualizado, pois as estratégias de luta mudam como também mudam as ações racistas em nossa sociedade.
Referências Bibliográficas
COELHO, Wilma de Nazaré Baia; Muller, Tânia Mara Pedroso. A Lei nº 10.639/03 e a formação de professores: trajetória e perspectivas. Revista da ABPN. V5, n.11 - jul. - out. 2013, p. 29-54.
GOMES, Nilma Lino. O Movimento Negro Brasileiro como Ator Político. O Movimento Negro Educador. Petrópolis: Editora Vozes, 2017, p:21-39.
SILVA, Rosilene da Conceição. Ser Jovem Negro no Ensino Médio: Significados da implementação da Lei 10:639/03 para a construção e (re)afirmação da identidade no espaço escolar. 2015. CEFET/RJ.
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* Mestre em Relações Étnico Raciais, Membro Pesquisador da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros, Pesquisadora do LHER/ERARIR e Co-coordenadora Linha de Pesquisa do LHER/UFRJ: Fundamentalismo religioso, diversidades e laicidade no ambiente escolar: os desafios para a escola e os profissionais da educação.