Trabalhadores forjando suas próprias identidades
Lavini Castro*
De acordo com Juçara Mello em seu artigo Trabalhadores em festa: Associativismo Recreativo e Construção de Identidades, as identidades de trabalhadores podem ser forjadas em diferentes espaços coletivos, não apenas a partir da relação de dominação que ocorre no ambiente de trabalho.
Mello problematiza o conceito de operariado tutelado destacando a fragilidade do termo ao expandir a ideia de que o trabalhador interage em diferentes espaços constituindo sua presença social, histórica e cultural no meio em que vive. Experiências familiares, de vizinhança e de lazer são, no entendimento da autora, espaços de atuação de elementos sociais que constituem sua presença cultural e histórica.
Nesse sentido, conta-nos a autora, não é somente o ambiente de trabalho que sofre investidas de racionalização e controle, os espaços de lazer também sofrem investidas patronais, por serem locais de interação e formação de identidades, que tentassem garantir o controle dos trabalhadores. Assim afirma a autora:
"O modelo de administração praticado por esses empresários desde o início de suas chegadas a Santo Aleixo, pautou-se pela tentativa de dominação de sua força de trabalho por meio do controle de todos as suas atividades cotidianas, fossem elas as concernentes ao espaços de trabalho ou de lazer" (MELLO, 2015, pág. 311)
Observamos o interesse dos empresários em controlar o lazer dos trabalhadores por meio de clubes esportivos, espaços com estreita vinculação com as fábricas. O controle fazia-se pelo patrocínio dos empresários a esses clubes, estratégia de dominação semelhante, a autora nos conta que ocorria também com os blocos de carnaval.
Mello lança nosso olhar para enxergar a diversidade estratégica de dominação dos patrões em relação aos trabalhadores, inovando a análise a respeito do multifacetado mundo do trabalho, pois questiona explicações sobre a ideia de operariado tutelado vinculada a grandes ideologias, mostrando a complexidade de tensões e ajustes que perpassam a dominação patronal e as estratégias de resistência das classes trabalhadoras, evidenciando um eterno negociar na relação patrão/empregado.
Um bom exemplo de espaço de estratégia de dominação empresarial e resistência do trabalhador, no cenário analisado por Mello, foi o carnaval de Santo Aleixo. Especificamente, na realidade analisada, o carnaval era visto como momento de "suspensão da rotina de trabalho", "quebra do cotidiano" ou "um tempo fora do normal". Era um momento simbólico em que se liberava do poder, de fato, do patrão podendo inclusive ridicularizar a relação de poder do empresário sobre o operário. Nesse momento percebe a tensão social em tom simbólico sarcástico, em que o trabalhador questiona o sistema, quebrando o modelo social de poder.
A relação entre empresariado e operariado ocorre diante de um jogo de tensão social, que ora mantém modelos sociais, ora se apropria e recria novos formatos de relações, dessa forma não há como manter o conceito de operariado tutelado, plenamente submetido à dominação empresarial, pois os grupos sociais não são meros reprodutores da cultura hegemônica da qual estão emersos. Enquanto sujeitos históricos consumimos cultura, nos apropriamos, reapropriamos e ressinificamos a lógica na qual estamos inseridos, como já nos falava Certeau (1989) a respeito do homem ordinário e os ajustes ao sistema. No caso em tela, os trabalhadores de Santo Aleixo, interagiram nos espaços de trabalho e lazer, e organizaram em tais espaços seus próprios interesses, forjando suas identidades nas possibilidades diante as tensões sociais.
Referência Bibliográfica
CERTEAU, Michel. Artes de Fazer a Invenção do cotidiano. Michel Certeau; Tradução Efraim Ferreira Alves - Petrópoles: Editora Vozes, 1998.
* Mestre em Relações Étnico Raciais, Membro Pesquisador da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros, Pesquisadora do LHER/ERARIR e Co-coordenadora Linha de Pesquisa do LHER/UFRJ: Fundamentalismo religioso, diversidades e laicidade no ambiente escolar: os desafios para a escola e os profissionais da educação.