O currículo contemporâneo não atende a perspectiva racial

24/08/2020

Lavini Castro*

De que forma os currículos tem sido pensados numa perspectiva racial? Um currículo pautado em conceitos homogêneos e hegemônicos que não reflita a diversidade de identidades, que integre seu criticar as relações raciais que se formaram unificando os aprendizes numa perspectiva de história única, provoca complicações para a formação dos diferentes sujeitos que não se veem representados na política educacional.

Aliando-se ao pensamento da Prof Eliana Póvoas Pereira Estrela Brito em seu artigo: O currículo médio baiano: entre a formação integral e a valorização das diferenças, evidenciamos, no atual cenário político, maior visibilidade e compreensão à lógica interna do capitalismo incompatível aos interesses da democracia liberal. Um exemplo dessa compreensão é o questionamento aos dogmas iluministas pelos grupos minoritários que não são atendidos pelo sistema, cabendo a eles perfeitamente o questionamento: Que liberdade e igualdade são essas que não nos representam?

Refletindo sobre o neoliberalismo no campo da educação é possível constatar um típico formato mercantilizador nas ações publicas e privadas sobre políticas educacionais. Tais políticas são organizadas com estratégias de mercado com intuito de uniformizar, homogeneizar e controlar discentes e docentes criando um conhecimento próprio a respeito da educação que tem por base o pensamento neoliberal; reconhecido por Mbembe e Ball, citados por Brito, como a episteme neoliberal influenciadora das práticas e políticas educacionais.

Um currículo escolar inserido nesse formato de pensamento passa a pontuar conceitos e ideias próprias da mercantilização, não é a toa que a disciplina, ou o pensamento, empreendedor adentrou as escolas, bem como o princípio de eficientificismo social, resiliênsia e excelência. São ideias que vendem uma boa imagem da escola dentro do espírito capitalista neoliberal, pois uma escola será eficiente e excelente dentro da lógica capitalista que opera numa base quantitativa/acumulativa a respeito, por exemplo, das notas dos alunos assegurando assim um bom ou mau lugar de aprendizagem.

De acordo com Brito (2018) a lei 13.415/2017 instituiu um novo currículo para o Ensino Médio que trazia os seguintes elementos de formação: linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica profissional. A mudança foi justificada por ser o anterior currículo pouco atrativo ao jovem. O objetivo era resolver o problema da evasão, entretanto o documento encaminhado pelo MEC ao CNE, em abril de 2018, a repeito da resolução curricular presente na BNCC, fugia mais ao jovem do que a antiga lei 9394/96 sobre organização curricular. O novo documento de BNCC trazia um pensamento autoritário e tecnicista a respeito do currículo, no final, o interesse era a formação de trabalhadores capacitados e não cidadão crítico.

A nova proposta da BNCC foi fortemente criticada por referendar os preceitos neoliberais para o campo educacional, o que reforça o posicionamento de cátedra do profissional da educação, antes lido pelo sistema como um reprodutor dócil, mas que se posiciona diante da mercantilização da educação. Dessa forma enxergamos a política educacional como um campo de disputa e negociação que afirma o lugar do profissional da educação como protagonista das decisões curriculares, por exemplo.

Nesse sentido pensar a produção curricular é pensar seu desenvolvimento resultante de um campo de disputas e negociações, ou como afirma Brito (2018) a produção de um espaço curricular estará sempre num espaço de fronteira, o que promove constantes aberturas para novas e outras possibilidades do fazer curricular.

A BNCC em seu modelo inicial, causou muito problema porque apresentava um modelo de ensino homogêneo, num sentido quase prescritivo da prática escolar. Entretanto é na prática do chão da escola que professoras, professores, alunas e alunos devem descobrir o melhor caminho para desenvolver o currículo em busca de uma ação formativa comprometida com a cidadania e com a sociedade democrática (Brito, 2018). Sendo assim é na escola, nas reuniões escolares de início de ano principalmente, que a equipe pedagógica deve articular como o currículo deve ser pensado dentro da realidade escolar da qual aqueles indivíduos estão inseridos, nesse momento reflete-se sobre o limite dos currículos e o planejamento das práticas escolares sobre o PPP ou planejamento escolar.

Precisamos superar o legado de um currículo que promove mais conceitos paras as políticas educacionais, alicerçadas em teorias conservadoras como, por exemplo, o patriarcalismo e o epistemicídio do que se compromete com a prática da formação dos sujeitos. Dizendo isto é retorno a pergunta inicial desde texto: De que forma os currículos tem sido pensados numa perspectiva racial? Porque é importante refletir sobre o lugar destinado as minorias sociais nos currículos, pois o currículo deve atender a todos os grupos sociais pertencentes a sociedade brasileira.

Nas escolares a justificativa para a reprovação e o abandono está refletida na cor da pele, ou seja, o insucesso escolar tem cor. A maioria dos alunos que reprovam ou abandonam a escola são negras e negros. Não precisamos de nenhum palpite, pois temos a certeza que o insucesso está vinculado a não representatividade desses grupos no programa curricular brasileiro.

Apesar de se defender uma educação pluriversal, de fato, ela ainda não ocorre no formato esperado, pois a orientação curricular, recebida por professoras e professores, ainda trata conteúdos de história e cultura referentes aos sujeitos negros de forma transversal. Na prática, profissionais da educação reclamam da imensa quantidade de afazeres burocráticos e conteudístas afirmando ser o entrave dificultador em operacionalizar conteúdos tratados como transversais. Diante desse entrave, vislumbramos a carência da potencialização da ressignificação da prática curricular.

O primeiro passo para avançarmos na organização curricular seria a flexibilização conteudista e a inserção das relações raciais de forma integra e não transversal, para isso as políticas educacionais precisam atender projetos mais locais em que os discentes se reconheçam como parte da história e cultura brasileira. Nossos estudantes não precisam ser sobreviventes dentro do atual sistema.

Referencial Bibliográfico

Brito, Eliana Póvoas Pereira Estrela. O currículo do ensino médio baiano: entre a formação integral e a valorização das diferenças. Currículo sem fronteiras, v.18, n.3, p. 1003-1024, ste/dez. 2018

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* Mestre em Relações Étnico Raciais, Membro Pesquisador da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros, Pesquisadora do LHER/ERARIR e Co-coordenadora Linha de Pesquisa do LHER/UFRJ: Fundamentalismo religioso, diversidades e laicidade no ambiente escolar: os desafios para a escola e os profissionais da educação.

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